quinta-feira, 9 de março de 2017

A BÍBLIA - INFORMAÇÕES GERAIS - 6ª e última Parte

Formação do cânon

No Antigo Testamento

É muito difícil refazer a história do cânon do AT. Sabemos que, pelo ano 130 a.C., o tradutor do livro do Eclesiástico do hebraico para o grego sabia da existência de três grupos de livros que eram o tesouro de Israel: a Lei, os Profetas e os escritos. O primeiro e o segundo grupo já estavam bem definidos. Quanto aos escritos, ainda no tempo de Jesus, havia incertezas.

No final do século I d.C., os rabinos reconheceram que alguns livros ‘manchavam as mãos’, isto é, eram sagrados e que depois de manuseá-los era preciso purificar-se. Mas ainda se discutia a canonicidade de alguns livros. O cânon judaico, com 39 livros, foi fixado nos finais do século II d.C. Um dos motivos que contribuiu para isso foi a Igreja Primitiva que usava o texto grego da Bíblia, que continha 46 livros. Portanto, com sete livros deuterocanônicos, não aceitos pelos judeus.

Quanto ao cânon da Bíblia Católica, os autores dos livros do NT, ao citarem textos do AT, usaram todos os livros da Bíblia grega, inclusive os deuterocanônicos. A Igreja Primitiva, portanto, considerou inspirados por Deus os 46 livros da Bíblia Grega e não apenas os 39 da Bíblia Hebraica.

No Novo Testamento

A formação do cânon no Novo Testamento também é complexa. 

O anônimo autor da Segunda Carta de Pedro fala da coleção de cartas de Paulo, colocando-as ao lado das ‘outras Escrituras’ (2Pd 3,16). Não sabemos quantas e quais cartas ele conhecia. São Justino, nos meados do século II d.C. afirma que os cristãos liam, nas assembleias litúrgicas, as ‘memórias dos apóstolos’, isto é, os evangelhos.

A lista de livros do NT mais antiga que possuímos é o chamado cânon de Muratori, do final do século II d.C. Nela faltam Hebreus, Tiago, as duas Cartas de Pedro e a segunda e Terceira cartas de João.

O primeiro cânon oficial da Igreja é o do Concílio Ecumênico de Florença, em 1441, sob o papa Eugênio IV. Porém, a declaração definitiva do cânon bíblico só aconteceu em 1546, na IV sessão do Concílio de Trento. Ali se definiu o cânon do AT com 46 livros e o do NT com 27.

Critérios de canonicidade

Como a Igreja tem certeza que esses livros são canônicos?

Sem dúvida, não foi por uma revelação especial. O Concílio Vaticano II diz que ‘mediante a Tradição a Igreja conhece o cânon inteiro dos livros sagrados’ (DV 8). Isto significa que, no processo de reconhecimento do cânon, está implícita a ação do Espírito Santo que, segundo Jesus, levará a Igreja à Verdade total (Jo 16,13). O mesmo Espírito, que inspirou os autores sagrados a escrever, guia também a Igreja para reconhecer quais livros são inspirados ou não.

Além da ação do Espírito Santo, existem outros critérios secundários.

Para os judeus, um livro era inspirado e, portanto, canônico, se fosse escrito por um profeta, em hebraico e em Israel. Por isso os chamados deuterocanônicos não foram aceitos pelos judeus. Ou porque foram escritos em grego, ou fora de Israel ou por uma pessoa que não era considerada profeta. Já os cristãos olharam a prática de Jesus e dos apóstolos, o uso litúrgico e a sua conformidade com a fé.

Apócrifos. São os livros que não são considerados inspirados e não fazem parte de nenhum cânon. Existem livros apócrifos do Primeiro e do Segundo Testamento. Embora atribuídos a autores e/ou personagens bíblicos, não atendem aos critérios de canonicidade exigidos pelo judaísmo no caso do Primeiro Testamento e pela Igreja Católica em ambos os casos.

É importante frisar que as confissões religiosas oriundas da Reforma Protestante identificam como apócrifos aqueles livros e partes da Bíblia que Lutero exclui de sua Bíblia Protestante.

Para os católicos, Apócrifos são livros que trazem como autores personagens bíblicas, mas que na realidade são de autoria duvidosa, além de não atenderem aos critérios de canonicidade da Igreja. Muitos deles atentam contra a sã doutrina da Igreja, enquanto que outros, embora contenham trechos edificantes, contrariam em certos aspectos a doutrina cristã. Todos eles são objetos de estudo da Teologia e, muita coisa deles acabou se incorporando naquilo que poderíamos chamar de “tradição popular”.

No site Terra de Imaculada (clique sobre o nome para acessar) temos uma lista dos livros apócrifos e mesmo a publicação de alguns deles, pois são muito difíceis de encontrar. O número de livros apócrifos é muito grande (mais de 110 livros). Entre ao mais conhecidos, podemos citar os Evangelhos Apócrifos de Tiago, de Matheus, o Livro sobre a natividade de Maria, o Evangelho de Pedro e os Evangelhos Armênio e árabe sobre a infância de Jesus. Nas páginas deste blog, denominadas "APÓCRIFOS DO ANTIGO TESTAMENTO" e "APÓCRIFOS DO NOVO TESTAMENTO" publicaremos vários destes livros. Aguardem.

Algumas dúvidas que ficaram sobre determinados livros serão esclarecidas durante o estudo de cada um deles.   

Recapitulação de algumas datas:

  • Origens
  • Por volta de 1850: Chegada de Abraão a Canaã (Gn 12).
  • Império egípcio: 2030 - 1070 aproximadamente – Império Médio.
  • Suméria: renascimento sob a terceira dinastia de Ur.             
  • Babilônia: primeira dinastia. Código de Hamurabi (por volta de 1750).
  • Por volta de 1250: Moisés. Saída dos hebreus do Egito. Lei do Sinai.
  • Egito: 1304-1184, décima nona dinastia. Ramsés II (1304–1238).
  • Por volta de 1220 -1200: Josué e os Hebreus na Palestina.
  • Desde Juízes (por volta de 1200) até a queda de Jerusalém (587)
  • Entre 1200 e 1020: os Juízes de Israel.
  • Texto Bíblico: primeiras tradições dos santuários, hinos, ‘lendas culturais’.
  • Entre 1030 -1010: Fundação da monarquia: Saul, primeiro rei.
  • Por volta de 1000: Elevação de Davi rei
  • Texto bíblico: primeiras crônicas pré-reais (Juízes e reis (sobre Saul).
  • De 970 a 931: Salomão, filho de Davi, rei.
  • Texto bíblico: primeiras sínteses de redação. Compilação de tradições orais (lendas, provérbios...). Primeira historiografia real (Anais) e compilações legislativas. Atividade de redação religiosa.
  • Por volta de 931: Assembleia de Siquém. O cisma entre o reino do Norte (Israel) e o reino do Sul(Judá).
  • Texto bíblico: grande atividade de redação no reino do norte, onde surgem também os profetas (Elias, Eliseu; no fim do século VIII, Amós e Oséias). Reestruturações dos textos legislativos (origem do Deuteronômio). Redação de certas tradições relativas à época anterior à Terra e anterior à realeza.
  • Em 721: Queda de Samaria, capital do reino do Norte; fim desse reino.
  • Texto bíblico: escribas do Norte se refugiam no Sul, em Jerusalém. Primeiras sínteses do acervo das tradições escritas do Norte e do Sul. A queda de Jerusalém, grande atividade literária: livros históricos, códigos legislativos e coleção de textos proféticos reelaborados sob a influência do espírito deuterocanônico.
  • Em 587: Queda de Jerusalém. Partida para o exílio na Babilônia.
  • Do Exílio ao fim da época Persa (587 – 333)
  • Em 539: O exército de Ciro toma a Babilônia.
  • Em 538: Edito de Ciro autorizando o retorno dos judeus da Babilônia à Jerusalém.
  • Entre 520 - 515: A restauração do Templo.
  • Texto bíblico: Grande atividade redacional sob a influência dos sacerdotes (documento P). Síntese dos documentos existentes. Atividade de releitura e de retorno às origens (Gênesis, Abraão). Livro de Abdias, de Malaquias, Jó, provérbios, cânticos, Rute, Números e os Salmos.
  • Em 350: A Judeia, estado teocrático.
  • Texto Bíblico: Legislação do Pentateuco unificada por Esdras. Livro de Joel, Crônicas, Esdras, Neemias, Jonas e Tobias.
  • Época Helenística e Época Romana
  • Entre 319 - 287: Os sucessores de Alexandre disputam seu império.
  • Até 200: A Judeia sob o controle dos lágidas.
  • Texto bíblico: Entre 300 e 250, tradução da Lei para o grego (Septuaginta). Após 250, talvez o livro de Ester e de Coélet.
  • Entre 200-142: A Judeia submetida aos selêucidas.
  • Texto bíblico: Sirácida.
  • Entre 167 -164: A grande perseguição de Antíoco IV Epifânio. Revolta dos Macabeus.
  • Texto bíblico: Primeiro livro dos Macabeus. O livro de Daniel e Segundo livro dos Macabeus.
  • Entre 100 - 50: O livro de Judite.
  • Em 63: Pompeu toma Jerusalém. Dominação romana da Palestina.
  • Texto bíblico: entre 30 e 10, o livro da Sabedoria.
  • Entre 37 – 4: Herodes Magno.
  • De Cristo ao fim do primeiro Século
  • Por volta de - 6 ou 5: Nascimento de Jesus.
  • Entre 18 - 19: Fundação de Tiberíades.
  • De 29 - 35 (aproximadamente): Ministério e morte de Jesus.
  • Texto bíblico: primeiras fórmulas de credo (proclamação da ressurreição), hinos, logias de Jesus.
  • Por volta de 48: Primeira carta de são Paulo aos Tessalonicenses.
  • Entre 50 - 52: Primeira Carta aos Coríntios.
  • Em 54: Carta aos Romanos. Nero, Imperador. Paulo em Roma. Primeiras redações evangélicas.
  • Em 64: Perseguição aos cristãos
  • Em 66: Primeira revolta judia.
  • Em 70: Tomada de Jerusalém por Tito. Incêndio do Templo. Jamnia, centro do Judaísmo.
  • Evangelho de Marcos.
  • Por volta dos anos 80: Evangelhos segundo São Mateus e Segundo São Lucas.
  • Entre 95 -100: Evangelho de São João. 
  • As datas propostas nesta seção são apenas marcos tradicionais. Não indicam absolutamente uma certeza histórica. 
Curiosidades e alguns esclarecimentos

  • hipótese documental, desenvolvida por Julius Wellhausen, também conhecida como Teoria das Fontes, é a teoria segundo a qual os cinco primeiros livros do Antigo Testamento (chamados de Pentateuco) são resultado de uma composição a partir de quatro fontes principais: eloístajavistasacerdotal e deuteronomista. Nesta teoria, os escritos veterotestamentarios, principalmente a Torá são divididos em 4 grupos de fontes: 1) A fonte Javista, que contém relatos de diversas épocas diferentes, sendo original de Judá, no sul do antigo Israel e em geral atribui a Deus o nome de Yahweh – conhecida pela letra J; 2) a fonte Eloísta, que também contém relatos de diversas épocas diferentes, sendo original de Efraim, no norte do Antigo Israel, em geral trata Deus com o nome de Elohim e é identificada pela letra E. Ambas as fontes contém documentos tão antigos quanto o próprio surgimento do hebraico enquanto língua gramaticalmente estruturada, por volta do Séc X AEC, baseando-nos no Calendário de Gezer, o documento arqueológico em língua hebraica mais antigo. 3) A fonte Deuteronomista, que provém dos círculos ligados ao ensino doutrinário, contém longos discursos e princípios reguladores, e está espalhada pelos Nebiim além do Deuteronômio e do restante da Torá. É conhecida pela letra D e usa fontes literárias tanto do norte quanto do sul, principalmente do norte, mas seu fechamento redacional ocorreu no sul por volta do período exílico (entre 597 e 538 AEC). 4) Por fim a fonte Sacerdotal, sempre referenciada com a letra P (do alemão Priester e do inglês Priest), é a fonte dos escritos elaborados pelos membros dos grupos de sacerdotes e que estiveram grandemente envolvidos no processo de compilação tardia ou final dos escritos bíblicos que chamamos de Antigo Testamento ou Tanakh, a Bíblia Hebraica. É uma fonte original do sul de Israel e sua datação é próxima do período pós-exílico (a partir de 445 AEC). O uso das letras que caracterizam cada uma das fontes dá à hipótese documental o “codinome” JEDP.

  • Todas as religiões cristãs consideram a Bíblia como Livros escritos por homens sob a inspiração divina. Mas uma parte da Bíblia não foi inspirada por Deus e ela está no Antigo ou Primeiro Testamento: São os dez mandamentos. Eles não foram escritos por homens, mas pelo próprio Deus nas chamadas "Pedras da Lei", que Moisés recebeu diretamente das Mãos do Senhor.

  • Uma abreviatura que aparece várias vezes em nossos posts e que não se refere a nenhum Livro Bíblico é DV. É a abreviatura de um dos mais importantes documentos do Concílio Vaticano II, que se chama "Dei Verbum", que é uma Constituição Dogmática sobre a Revelação Divina, ou seja, trata da Revelação Divina contida nas Sagradas Escrituras e foi a responsável pela grande difusão dos textos sagrados. "Dei verbum" pode ser traduzido como Verbo de Deus ou Palavra de Deus. Clicando sobre o nome em latim acima, você será direcionado para a página do documento em português. Aliás, todos ou quase todos os documentos da Igreja produzidos pelo Curia Romana podem ser acessados por qualquer pessoa. Segue o link dos Textos Fundamentais da Fé Católica na língua portuguesa (basta clicar aqui). 


Para quem quiser se aprofundar, segue a Bibliografia consultada para esta introdução:


·         A BÍBLIA SAGRADA. Edição Pastoral. São Paulo: Paulus, 1998. 1629p. 
·         CEBI e MESTERS, Carlos. ABC da Bíblia. Coleção: Por trás das Palavras. São Paulo: Paulus, 35ª edição, 2002. 38p.
·         GRUEN, Wolfgang. Pequeno Vocabulário da Bíblia. Coleção: Por trás das Palavras. São Paulo: Paulus, 12ª edição, 1984. 79p.
·         STORNIOLO, Ivo e BALANCIN, Euclides M. Como ler o Livro do Gênesis. Origem da Vida e da História. Série: como ler a Bíblia. São Paulo: Paulinas, 1991.61p.
·         MORACHO, Félix, sj. Na Escola da fé. A Salvação na História apresentada aos jovens  e adultos à luz da Bíblia, do Magistério, do Concílio, de Medellin e de Puebla. São Paulo: Paulinas. 2ª edição, 1985. 428p.
·         CRB. A Leitura Orante da Bíblia. Coleção: Tua Palavra é Vida. São Paulo: Loyola, 1990. 77p.
·         CRB. A Formação do Povo de Deus. Coleção: Tua Palavra é Vida. São Paulo: Loyola, 1990. 158p.
·         WOLF, Hans Walter. Bíblia Antigo Testamento. Introdução aos escritos e aos métodos de estudos. São Paulo: Paulinas. 3ª edição, 1978. 143p.
·         KLEIN, Ralf W. Israel no exílio. Uma interpretação teológica. Coleção: Temas Bíblicos. São Paulo: Paulinas, 1990. 174p.
·         MANNUCCI, Valério. Bíblia Palavra de Deus. Curso de Introdução à Sagrada Escritura. Coleção: Biblioteca de Estudos Bíblicos. São Paulo: Paulinas, 2ª edição.1986. 411p.
·         FOHRER, Georg. História da religião de Israel. Coleção: Temas Bíblicos. São Paulo: Paulinas, 2ª edição. 1993. 485p.
·         JOBSON, José Arruda. História Integrada da pré-história ao Fim do Império Romano. São Paulo: Ática, Vol. 1, 2ª edição. 1996. 200p.                                                   


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